quarta-feira, 8 de setembro de 2010

A LEITURA REVERSA DA REGIÃO SEMI-ÁRIDA

Munidos de um arcabouço histórico das formas como se estabeleceram nos territórios as estruturas sob o controle ora do Estado, ora do capital, e ora ambos concomitantemente, é que se possibilita a leitura mais crítica da conjuntura política, econômica e social a qual está inserida a região semi-árida nordestina.
No tempo e no espaço, o semi-árido registra discrepantes realidades, desde o controle de terras, da água, da má distribuição de renda, da emigração latente dos campesinos para as metrópoles, em busca do assalariamento para a manutenção de sua prole, mesmo que isso lhe custe a autonomia e controle de seu trabalho.
O semi-árido brasileiro dispõe de peculiaridades, as quais são utilizadas politicamente como justificativas, e defendidas como empecilhos à seu desenvolvimento econômico e social. Uma verdadeira tautologia ideológica de conivência, através da qual, políticos conservadores da oligarquia local, consolidaram suas carreiras sob a tutela de resolver os problemas da região, deixando a mercê de suas vontades, milhares de trabalhadores e trabalhadoras do campo.
As especificidades do ecossistema semi-árido possibilitaram um modo de ocupação e um sistema de agentes que fizeram, em conjunto, um espaço muito particular. Este espaço tem sido apresentado historicamente pelo filtro de uma conscientização coletiva das dificuldades impostas por esse meio, que depende dos azares climáticos. A natureza, [...], é fortemente idealizada e trabalhada nos discursos, da e sobre a região, como um obstáculo intransponível a qualquer progresso ou justiça espacial. (CASTRO, 1996, p. 297)
A seca (fenômeno) é considerada a característica que define a realidade no/do semi-árido e toda sua problemática. Tomada como causa única, ações diversas foram direcionadas e implementadas no território à luz da perspectiva de combatê-la, como se fosse uma “praga”, uma “infestação de insetos”, o que é inadmissível na atualidade a manutenção desse discurso retrógrado e insubstancioso.
O argumento agrário das elites política e oligárquica permeia pelas vias da modernização do campo para a ascensão econômica e social, e como o único meio de superar as dificuldades impostas pelo clima. CASTRO (1996) fortalece essa discussão, e esclarece que os discursos dos atores sociais dominantes no nordeste, e consequentemente no semi-árido, são contraditórios ao persistirem em propostas de modernização enquanto meio de desenvolvimento, enquanto tacitamente se instrumentalizam e se articulam no intuito veraz dos seus interesses, que é a conservação das estruturas agrárias e na preservação do monopólio fundiário.
Os meios de comunicação também são eficazes disseminadores do ideário de um sertão miserável, legitimando os discursos coniventes com os interesses das classes dominantes, por meio dos elementos iconográficos que expressam basicamente às situações extremas nos períodos de estiagem prolongadas (terra seca, animais magros e até mortos, açudes e rios secos, dentre outros). Tal paradigma desvia o foco das potencialidades e possibilidades regional, focalizando na problemática climática, contribuindo para que os investimentos na região sejam paliativos, ao invés de estruturantes.
Dentre as políticas de cunho tecnicistas de impulso ao crescimento econômico e “social”, é pertinente elencar, por exemplo, a SUDENE, a qual já foi citada anteriormente, e o DNOC’S (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas), criado em 1909 com o objetivo de combater as secas no nordeste brasileiro, por meio de ações verticalizadas na implementação de açudes pelo território. Sobre esse assunto aludemo-nos a Malvezzi (2007):
Se o Semi-Árido brasileiro é hoje uma das regiões mais açudadas do planeta, em grande parte isso se deve ao Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs). São aproximadamente 70 mil açudes. Fundado em 1909 como Inspetoria de Obras Contra as Secas (Iocs), depois Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (Ifocs), o órgão pretendia fazer o combate à seca, objetivo que hoje parece anacrônico, já que sabemos que ninguém acaba com fenômenos naturais, como secas, chuvas e incidência de neve. Mas a causa era nobre, já que a população nordestina, sem rios perenes, mas tendo boa pluviosidade em todo o sertão, enfrentava o problema de não ter estoques de água em tempos sem chuva. (p.67)
Em contraposição a este modelo de desenvolvimento e organização das políticas públicas, a sociedade civil organizada (ONGs, Sindicatos, entidades diversas, instituições religiosas, Movimentos sociais, dentre outros) tem lutado arduamente para desmistificar o paradigma de miséria difundido, propondo projetos de implementação de políticas públicas, com atuação efetiva e primaz das comunidades rurais e seus representantes, bem como os setores sociais que comungam da mesma perspectiva e objetivos de suscitar um olhar diferenciado da região semi-árida e de sua população.

Texto de Eliane Almeida, estudante do 7 º semestre de Geografia na UESB.

5 comentários:

  1. Companheira Eliane, parabéns pelo texto. É importe possibilitar a nós, leitores e leitoras, o acesso a esse tipo de informação. Além de nos remeter a uma reflexão sobre a conjuntura política, econômica e social de nosso semiárido, oferece instrumentos que fortalecem o nosso discurso e renova nossa esperança de continuar lutando. Aqui, a construção teórica nos ajuda a compreender, refletir e melhorar nossa prática. Prática essa que, sem dúvida alguma, está mudando a "cara" do nosso semiárido.

    ResponderExcluir
  2. Obrigada Leandra é um prazer contribuir.....

    ResponderExcluir
  3. Eliane,
    Parabéns pelo texto. Reflexões como esta nos mostra a importância de conhecermos melhor o chão onde pisamos. Compreender que a situação do nosso povo no semiárido não é natural e sim política.
    Mais uma vez,parabéns.
    Climério

    ResponderExcluir
  4. Eliane,

    Parabéns e obrigado pelo texto, que considero bastante denso, com as informações relatadas e as provocações a uma reflexão mais apurada sobre as politicas adotadas no passado, para um suposto desenvolvimento do semiarido nordestino, coisa já ultrapassa, como voce bem relatou no texto.
    Espero outros textos como esse, para nossa formação e aprofundamento nas discussões a cerca do que realmente está em pauta na politica atual para nossa região.
    Obrigado.
    Jozimar

    ResponderExcluir
  5. Jozimar, eu é que agradeço pelas considerações postas. O interessante é adensarmos mesmo sobre a temática, para que tenhamos um discurso mais sólido e com embasamento histórico da região a qual trabalhamos e moramos. Valeu, e um abraço.
    Eliane.

    ResponderExcluir

Comentários