quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

“Não comemos papel, nem carvão!” Seminário discute a monocultura do eucalipto em Vitória da Conquista

Rodrigo de Castro - Comunicador Popular da ASA

Ao longo da última década, a monocultura do eucalipto se expandiu e vem dominando a paisagem das áreas rurais da região sudoeste da Bahia. Assim como já ocorreu em outras regiões do estado e também do Brasil, milhares de hectares da árvore, nativa da Austrália, estão ocupando gradativamente áreas que antes eram dedicadas a produção de alimentos.

A fim de debater o monocultivo do eucalipto, suas implicações e consequências para a população, o Fórum de Entidades e Movimentos Sociais do Sudoeste da Bahia realizou nos dias 29 e 30 de Novembro o Seminário “Monocultura de Eucaliptos”, em Vitória da Conquista - BA.

O eucalipto é cultivado no Brasil desde a década de 1970. Utilizado principalmente na produção de celulose para a indústria de papel, grandes corporações como a Veracel e a Fibria (antiga Aracruz Celulose) disseminaram o cultivo por extensas áreas, que chegam hoje a 6,5 milhões de ha em todo o país. De forma secundária, o eucalipto é utilizado para alimentar polos siderúrgicos com carvão vegetal. O crescimento da área plantada de eucalipto na Bahia está diretamente ligado à demanda de carvão do polo siderúrgico de Betim, em Minas Gerais. Segundo a organização do evento, o estado é o terceiro maior produtor nacional, com 658 mil ha de área plantada.

Para a professora Gilca Garcia, da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e palestrante convidada, a questão mais grave é o do modelo econômico que norteia a monocultura do eucalipto: “O eucalipto precisa de grandes áreas para ser economicamente viável, e por isso as terras [dos pequenos produtores] estão sendo compradas pelos grandes”. A estrutura fundiária, de alta concentração de terras nas mãos de grandes produtores, e a própria natureza do eucalipto, que demanda pouca mão de obra, cria uma massa de desempregados que vão inchar os subúrbios das áreas urbanas, que não tem estrutura para receber tal contingente de pessoas, gerando desemprego, aumento de criminalidade, precarização dos serviços públicos, entre outros problemas crônicos das cidades brasileiras.

A degradação dos solos e a poluição das áreas de cultivo, graças ao uso de agrotóxicos no manejo são problemas graves que foram debatidos intensamente na plenária. O agricultor Francisco de Araújo, conhecido como Chicão, contou o exemplo da comunidade Lagoa de Melquíades, na zona rural de Vitória da Conquista, onde mora. “Até em cima da nascente de água doce já plantaram eucalipto, já denunciamos, mas não resolveu. (...) O que a gente está passando dificuldade, é o veneno que eles usam na plantação, eles tratam do mato jogando veneno, o que afeta os nossos pastos. Já denunciamos isso também, mas eles continuam fazendo as escondidas”.

Representantes de comunidades rurais de diversos municípios do sudoeste e sul baiano e do norte mineiro, presentes no seminário, relataram situações semelhantes, onde solos estão sendo degradados, nascentes e lençóis freáticos ficam mais secos a cada dia e direitos básicos, como a saúde e o acesso a terra são desrespeitados.

Nas oficinas temáticas, que trabalharam assuntos como segurança hídrica, soberania alimentar e aspectos legais de controle da monocultura, o seminário buscou discutir e pensar ações que devem ser tomadas pelas comunidades no enfrentamento da questão. Joaci Cunha, advogado e membro do CEAS (Centro de Estudos e Ação Social), reitera a necessidade de se buscar caminhos legais para combater a expansão do eucalipto. Para ele, a iniciativa popular, propondo projetos de leis para regulamentar as áreas e a forma de cultivo, é fundamental para proteger os recursos naturais e evitar o surgimento de grandes áreas plantadas. “Os municípios precisam também de um aparato administrativo e técnico que faça uma fiscalização eficiente, além de envolver a população através de órgãos de deliberação, a exemplo do Conselho Municipal de Proteção ao Meio Ambiente”.

Além de palestras e oficinas, o Seminário realizou também uma caminhada no centro de Vitória da Conquista, buscando despertar a população para os problemas causados pela monocultura do eucalipto, que não afetam apenas os habitantes das zonas rurais, mas também os moradores de áreas urbanas. Como demonstrou bem um dos gritos de guerra da luta, o enfraquecimento da agricultura familiar diminui a oferta de alimentos, aumentando os preços. “Se o campo não planta, a cidade não janta!” Ao final da caminhada, uma instalação artística sobre o tema simbolizou o protesto pela situação difícil vivida pelas comunidades que ficam a mercê dos efeitos da monocultura.

Para entender melhor os aspectos legais que envolvem o assunto, estiveram presentes representantes do Ministério Público, que falaram sobre a dificuldade que o MP possui para poder atuar nos casos que envolvem a monocultura do eucalipto. Segundo Mário Medeiros, do Ministério Público Federal, as nuances das leis que versam sobre meio ambiente no país dão espaço para que as empresas consigam se livrar de ações movidas contra elas. A falta de critérios dos órgãos que emitem licenças ambientais também é criticada por ele, que vê na falta de colaboração do estado um grande empecilho para frear o avanço do eucalipto. “As ponderações sobre licenciamento ambiental estão sendo embasadas única e exclusivamente em considerações de ordem econômica, as considerações de ordem ambiental e social foram deixadas de lado”.

O seminário busca discutir os impactos da monocultura e propor ações para o futuro. Seu Cordeiro, do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), relembra que a ameaça do eucalipto para a agricultura familiar é antiga. “O MST foi o primeiro movimento que bateu pesado na questão do eucalipto. Hoje alguns movimentos estão engajados no processo, como o MPA (Movimento dos Pequenos Agricultores), CPT (Comissão Pastoral da Terra) e alguns outros, mas o MST foi o pioneiro nessa luta, já que estamos nela desde a fundação do movimento em 1984. Nós somos contra qualquer monocultura, não só a do eucalipto, porque nós pregamos a diversidade. Nós não somos contra a planta em si, só questionamos a forma como ela é plantada”.

Para Edilene Alves, integrante do Levante Popular da Juventude e do CEAS, o espaço de discussão promovido pelo seminário é fundamental para informar e ajudar as comunidades a enfrentar o problema: “Na minha região, este fórum vem contribuindo na emenda da lei orgânica que estamos tentando criar lá no município. Nós sabemos que é difícil, é complicado, mas não impossível”, afirma.

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