segunda-feira, 6 de setembro de 2010

SONHO DA CASA PRÓPRIA

No semiárido, onde vivem 20 milhões, a exclusão hídrica gera doenças e tira crianças da escola

 

SERTÂNIA (PE)- Mãe de seis filhos e grávida do sétimo, Maria do Socorro Pereira, de 35 anos, abandonada pelo companheiro, chora quando fala das dificuldades para conseguir água na zona rural de Sertânia, no sertão pernambucano. Sem água encanada em casa, ela só tem dois pequenos baldes, o que obriga os filhos a andar muitas vezes por dia para conseguir o que beber. Cansados, quatro deles deixaram a escola, e Socorro perdeu o auxílio do Bolsa Família:
- Depois da falta de água, a fome - reclama.
 " Depois da falta de água, a fome "

A universalização da água ainda é um sonho distante para boa parte dos 20 milhões de nordestinos que residem no semiárido, dos quais 9 milhões nas áreas rurais, mostra reportagem de Letícia Lins, publicada na edição deste domingo do GLOBO. Em Pernambuco, a Companhia de Abastecimento de Pernambuco (Compesa) calcula em 94% a cobertura da população urbana. Mas na área rural os percentuais são tão insignificantes que nem sequer aparecem nas estatísticas.

A situação poderia ser ainda mais crítica nos vilarejos e distritos onde as adutoras estão distantes de chegar. Mas não é pior devido à maior mobilização da sociedade civil em defesa do fim da sede dos sertanejos. São 18 mil organizações populares que atuam na região e garantem o armazenamento de 5 bilhões de litros de água, através do Programa Um Milhão de Cisternas (PIMC). O programa, disseminado sob a coordenação da Articulação do Semiárido (Asa) nas regiões do agreste e sertão do Nordeste, garante água para um milhão 290 mil e 233 pessoas que antes dependiam do caminhão pipa ou do leito sujo de barreiros. Neles, durante as secas, os homens chegam a disputar o líquido dos reservatórios com os animais, sejam vacas, bodes, jegues, porcos ou cachorros.
De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE, em 2008, 82,31% dos domicílios do país contavam com rede de abastecimento de água. Segundo um estudo ainda não publicado pelo Centro de Pesquisas Ageu Magalhães - órgão da Fiocruz em Recife -, o risco da ocorrência de diarreias em domicílios sem cisternas é 79% maior do que entre as famílias que as possuem. A investigação mostrou, também, que a prevalência da doença entre os que não têm o equipamento chega a 24,5% em adultos e crianças e cai para 7,7% entre os que contam com cisterna. Para se ter uma ideia do problema, no mundo, cerca de 1,8 milhão de crianças morre todo os anos devido ao consumo de água suja, exatamente como a que o sertanejo sem reservatório consome.
Coordenadora da Rede das Águas, da SOS Mata Atlântica, Malu Ribeiro diz que a "exclusão hídrica" não é um problema que atinja somente o semiárido:
- Existe a falsa ideia de que só acontece no sertão, mas pessoas que vivem no Rio, em São Paulo e em outros centros urbanos enfrentam o mesmo problema. E vale lembrar que o Brasil detém a segunda maior reserva de água doce do planeta.

Fone: Oglobo.com

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