quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Biodigestor sertanejo é incluído no Banco de Dados da ONU/Habitat


O biodigestor sertanejo acaba de ser incluído no “Banco de Dados da ONU/Habitat para Melhores Práticas”. Além de um importante reconhecimento internacional, a entrada do biodigestor nesse rol permitirá que milhares de pessoas e organizações ao redor do mundo tenham acesso e possam replicar a tecnologia de convivência com o Semiárido adaptada pela Diaconia, que permite a produção de gás de cozinha (biogás) a partir das fezes produzidas pelo gado e outros animais.
Vencedor do Prêmio Caixa Melhores Práticas (2011/2012), o biodigestor sertanejo também concorreu como finalista, em dezembro passado, ao Prêmio Internacional de Dubai de Melhores Práticas. A premiação, promovida a cada dois anos pela ONU/Habitat em parceria com a Municipalidade de Dubai/Emirados Árabes, é reconhecida mundialmente por estimular experiências para melhoria das condições de vida nos assentamentos humanos. Foi através dessa participação que o projeto “Biodigestor: um jeito inteligente de cuidar do meio ambiente”, assinado pela Diaconia, chegou ao Banco de Dados da ONU/Habitat.
“Ficamos felizes em figurar como finalistas na premiação e, principalmente, por ingressar no banco de dados da ONU/Habitat. Essa conquista reforça o sentimento de estarmos contribuindo para a melhoria da qualidade de vida das pessoas e, também, com o meio ambiente em todo o mundo”, afirmou o coordenador da Unidade Territorial da Diaconia em Afogados da Ingazeira, Mario Farias.
Projeto
O projeto da Diaconia retrata como o biodigestor sertanejo vem transformando a vida de famílias agricultoras em Afogados da Ingazeira, no Sertão do Pajeú de Pernambuco. Com a utilização do gás produzido a partir das fezes de animais, essas famílias conseguem uma economia real de aproximadamente R$ 40 por mês, quantia que faz toda a diferença em uma região (Semiárido) responsável por 58% da população pobre do País.  Além disso, ao utilizar o biogás, as famílias reduzem drasticamente o desmatamento de árvores da Caatinga para coleta de lenha e produção de carvão vegetal, eliminam o uso do gás butano, dispõem de insumos para a fertilização do solo, entre outros benefícios.
Fonte: Assessoria de Comunicação da Diaconia

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

“Não comemos papel, nem carvão!” Seminário discute a monocultura do eucalipto em Vitória da Conquista

Rodrigo de Castro - Comunicador Popular da ASA

Ao longo da última década, a monocultura do eucalipto se expandiu e vem dominando a paisagem das áreas rurais da região sudoeste da Bahia. Assim como já ocorreu em outras regiões do estado e também do Brasil, milhares de hectares da árvore, nativa da Austrália, estão ocupando gradativamente áreas que antes eram dedicadas a produção de alimentos.

A fim de debater o monocultivo do eucalipto, suas implicações e consequências para a população, o Fórum de Entidades e Movimentos Sociais do Sudoeste da Bahia realizou nos dias 29 e 30 de Novembro o Seminário “Monocultura de Eucaliptos”, em Vitória da Conquista - BA.

O eucalipto é cultivado no Brasil desde a década de 1970. Utilizado principalmente na produção de celulose para a indústria de papel, grandes corporações como a Veracel e a Fibria (antiga Aracruz Celulose) disseminaram o cultivo por extensas áreas, que chegam hoje a 6,5 milhões de ha em todo o país. De forma secundária, o eucalipto é utilizado para alimentar polos siderúrgicos com carvão vegetal. O crescimento da área plantada de eucalipto na Bahia está diretamente ligado à demanda de carvão do polo siderúrgico de Betim, em Minas Gerais. Segundo a organização do evento, o estado é o terceiro maior produtor nacional, com 658 mil ha de área plantada.

Para a professora Gilca Garcia, da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e palestrante convidada, a questão mais grave é o do modelo econômico que norteia a monocultura do eucalipto: “O eucalipto precisa de grandes áreas para ser economicamente viável, e por isso as terras [dos pequenos produtores] estão sendo compradas pelos grandes”. A estrutura fundiária, de alta concentração de terras nas mãos de grandes produtores, e a própria natureza do eucalipto, que demanda pouca mão de obra, cria uma massa de desempregados que vão inchar os subúrbios das áreas urbanas, que não tem estrutura para receber tal contingente de pessoas, gerando desemprego, aumento de criminalidade, precarização dos serviços públicos, entre outros problemas crônicos das cidades brasileiras.

A degradação dos solos e a poluição das áreas de cultivo, graças ao uso de agrotóxicos no manejo são problemas graves que foram debatidos intensamente na plenária. O agricultor Francisco de Araújo, conhecido como Chicão, contou o exemplo da comunidade Lagoa de Melquíades, na zona rural de Vitória da Conquista, onde mora. “Até em cima da nascente de água doce já plantaram eucalipto, já denunciamos, mas não resolveu. (...) O que a gente está passando dificuldade, é o veneno que eles usam na plantação, eles tratam do mato jogando veneno, o que afeta os nossos pastos. Já denunciamos isso também, mas eles continuam fazendo as escondidas”.

Representantes de comunidades rurais de diversos municípios do sudoeste e sul baiano e do norte mineiro, presentes no seminário, relataram situações semelhantes, onde solos estão sendo degradados, nascentes e lençóis freáticos ficam mais secos a cada dia e direitos básicos, como a saúde e o acesso a terra são desrespeitados.

Nas oficinas temáticas, que trabalharam assuntos como segurança hídrica, soberania alimentar e aspectos legais de controle da monocultura, o seminário buscou discutir e pensar ações que devem ser tomadas pelas comunidades no enfrentamento da questão. Joaci Cunha, advogado e membro do CEAS (Centro de Estudos e Ação Social), reitera a necessidade de se buscar caminhos legais para combater a expansão do eucalipto. Para ele, a iniciativa popular, propondo projetos de leis para regulamentar as áreas e a forma de cultivo, é fundamental para proteger os recursos naturais e evitar o surgimento de grandes áreas plantadas. “Os municípios precisam também de um aparato administrativo e técnico que faça uma fiscalização eficiente, além de envolver a população através de órgãos de deliberação, a exemplo do Conselho Municipal de Proteção ao Meio Ambiente”.

Além de palestras e oficinas, o Seminário realizou também uma caminhada no centro de Vitória da Conquista, buscando despertar a população para os problemas causados pela monocultura do eucalipto, que não afetam apenas os habitantes das zonas rurais, mas também os moradores de áreas urbanas. Como demonstrou bem um dos gritos de guerra da luta, o enfraquecimento da agricultura familiar diminui a oferta de alimentos, aumentando os preços. “Se o campo não planta, a cidade não janta!” Ao final da caminhada, uma instalação artística sobre o tema simbolizou o protesto pela situação difícil vivida pelas comunidades que ficam a mercê dos efeitos da monocultura.

Para entender melhor os aspectos legais que envolvem o assunto, estiveram presentes representantes do Ministério Público, que falaram sobre a dificuldade que o MP possui para poder atuar nos casos que envolvem a monocultura do eucalipto. Segundo Mário Medeiros, do Ministério Público Federal, as nuances das leis que versam sobre meio ambiente no país dão espaço para que as empresas consigam se livrar de ações movidas contra elas. A falta de critérios dos órgãos que emitem licenças ambientais também é criticada por ele, que vê na falta de colaboração do estado um grande empecilho para frear o avanço do eucalipto. “As ponderações sobre licenciamento ambiental estão sendo embasadas única e exclusivamente em considerações de ordem econômica, as considerações de ordem ambiental e social foram deixadas de lado”.

O seminário busca discutir os impactos da monocultura e propor ações para o futuro. Seu Cordeiro, do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), relembra que a ameaça do eucalipto para a agricultura familiar é antiga. “O MST foi o primeiro movimento que bateu pesado na questão do eucalipto. Hoje alguns movimentos estão engajados no processo, como o MPA (Movimento dos Pequenos Agricultores), CPT (Comissão Pastoral da Terra) e alguns outros, mas o MST foi o pioneiro nessa luta, já que estamos nela desde a fundação do movimento em 1984. Nós somos contra qualquer monocultura, não só a do eucalipto, porque nós pregamos a diversidade. Nós não somos contra a planta em si, só questionamos a forma como ela é plantada”.

Para Edilene Alves, integrante do Levante Popular da Juventude e do CEAS, o espaço de discussão promovido pelo seminário é fundamental para informar e ajudar as comunidades a enfrentar o problema: “Na minha região, este fórum vem contribuindo na emenda da lei orgânica que estamos tentando criar lá no município. Nós sabemos que é difícil, é complicado, mas não impossível”, afirma.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

A importância da agricultura familiar na alimentação escolar


Por Eduardo Sá
Apesar de ter mais de 50 anos de existência, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) só teve seu marco legal [Lei 11.947] sancionado em 2009, graças à mobilização da sociedade civil, sobretudo por meio do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). A disputa travada no Senado não foi fácil, devido à força de setores privados das indústrias de alimentos, refeições coletivas e da bancada ruralista que tentaram, mais uma vez, monopolizar o mercado institucional da alimentação escolar.
Com a lei algumas conquistas foram atingidas, como o reconhecimento da alimentação como um direito humano e a obrigatoriedade de que no mínimo 30% dos recursos sejam destinados à compra de alimentos da agricultura familiar através de chamadas públicas de compra, com dispensa de licitação. O PNAE garante a alimentação escolar dos alunos da educação básica em escolas públicas e filantrópicas. Seu objetivo é atender as necessidades nutricionais dos alunos para contribuir na aprendizagem e rendimento, bem como promover hábitos alimentares saudáveis
Segundo o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), órgão responsável pelo programa, a união repassa a cada dia letivo aos estados e municípios R$ 0,30 a R$ 1,00 por aluno, de acordo com a etapa de ensino. O investimento é calculado com base no censo escolar do ano anterior ao atendimento. A sociedade acompanha e fiscaliza o programa por meio de conselhos, do tribunal de contas e do ministério público, dentre outras instituições. O orçamento de 2012 atingiu R$ 3,3 bilhões para beneficiar cerca de 45 milhões de estudantes, sendo que aproximadamente R$ 900 milhões devem ser direcionados para a compra diretamente da agricultura familiar. A liberação do orçamento de 2013 está previsto para meados de janeiro, com estimativa de cerca de R$ 3,5 bilhões, o que significa R$ 1 bilhão para a agricultura familiar.
O cardápio a ser oferecido às escolas e os procedimentos para aquisição pública de alimentos também foram alterados pela lei. A comida deve levar em consideração a produção local, a sazonalidade e conter alimentos variados, frescos e que respeitem a cultura e os hábitos alimentares saudáveis, como frutas três vezes por semana. Só podem comercializar com o PNAE os agricultores que possuem a Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP). Até julho deste ano, cada agricultor poderia comercializar até R$ 9 mil por ano para o programa, mas a partir da resolução nº 25, do FNDE, o limite passou para R$ 20 mil. A mudança é fruto de um acordo com as mulheres do campo durante a Marcha das Margaridas, segundo a Secretaria de Agricultura Familiar (SAF). As prefeituras e secretarias estaduais são obrigadas a publicar os editais de compras dos alimentos em jornais de circulação local ou na forma de mural em lugar público.
De acordo com o estudo realizado em 2010 pelo FNDE em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), no qual foram encaminhados para as secretarias municipais e estaduais de educação 5.565 formulários, com resposta de 3,136 (14 estados), as regiões sul e sudeste lideram o ranking de compra da agricultura familiar. No sul, mais de 50% dos municípios que responderam compram da agricultura familiar, enquanto no norte apenas 15%. Os gestores da educação apontam como desafio, por município: a falta de DAP das organizações (557), dificuldade de logística (1.094), falta de informação dos atores envolvidos (701), etc. As hortaliças, legumes e verduras, seguidas das frutas, lideram as compras, e as gorduras e óleos com os orgânicos e cereais são os menos comprados. Até o fechamento da matéria o FNDE não disponibilizou dados mais atualizados.
Críticas e elogios da sociedade
Segundo a presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), Maria Emília Pacheco, o PNAE é extremamente relevante e incorporou no seu novo marco legal elementos importantes, como o conceito de alimentação adequada. Segundo ela, o fundamental é o fortalecimento da agricultura familiar e camponesa para o processo da transição agroecológica no país.
“Essa política reforça o papel da agricultura familiar e reconhece que esses agricultores e agricultoras produzem alimento de qualidade, além do fato que eles têm direito a participar da política e vender a produção local dispensando o processo licitatório pelas chamadas públicas. Por outro lado, essa política inovadora traz também seus limites e dificuldades. Em muitos locais do Brasil as prefeituras ainda não estão fazendo essas chamadas públicas, e o processo licitatório acaba prevalecendo. Esse problema é bastante complicado”, pontuou.
De acordo com o FNDE, o órgão tem acompanhado a publicação das chamadas públicas através do Portal da Rede Brasil Rural (RBR), ferramenta implantada pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) para divulgá-las nos municípios e estados. O Projeto NUTRE, também do MDA, tem desenvolvido ações de capacitação com os agricultores familiares interessados em vender para o PNAE para aproximá-los dos gestores e facilitar o processo de aquisição. Há também a capacitação nos Centros Colaboradores de Alimentação e Nutrição Escolar (CECANES), que têm parceria com 7 universidades. No que diz respeito ao monitoramento da gestão, segundo o FNDE, está em processo de implantação o Sistema de Prestação de Contas online, que deve aprimorar o acompanhamento das chamadas públicas.
O PNAE tem servido de exemplo para outros países, como São Tomé e Príncipe, na África, onde os produtos locais, como o leite de cabra, estão sendo reincorporados ao sistema alimentar de modo a favorecer gerações que foram acostumadas a consumir produtos importados. Mas, por outro lado, existem desafios.
De acordo com Vanessa Schottz, do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, a lei de alimentação escolar traz uma estratégia de segurança alimentar e nutricional proporcionando a oportunidade de aproximar os circuitos de produção e consumo. É uma política que tem muitas potencialidades, tanto para a agricultura familiar quanto para a agroecologia, complementou. O programa é também uma oportunidade para identificar bloqueios na ponta do acesso dos agricultores às políticas públicas, segundo ela.
“A questão da comercialização é muito importante, mas não pode andar sozinha. É necessário políticas voltadas para o financiamento da produção, e que essa forma de financiamento seja adequada a um modelo de produção sustentável com base na agroecologia. Um modelo de financiamento acessível para as mulheres, os extrativistas, os quilombolas, indígenas, da mesma forma que a assistência técnica vá também em direção à agroecologia”, sugeriu.
Um dos principais problemas identificados por especialistas do tema, movimentos sociais e agricultores é a Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP), que viabiliza a inserção dos agricultores familiares a qualquer política pública.
O entendimento é que da forma que está estruturada ela dificulta o acesso às documentações para entrar no programa, sobretudo para mulheres, quilombolas, indígenas, etc. Outra questão é como desvincular o acesso de políticas de comercialização, como o PAA e o PNAE, do acesso ao crédito. “É preciso pensar outro instrumento que identifique os agricultores familiares, e que os habilite a acessar programas como estes sem regras tão restritivas”, afirma Schottz.
A DAP é obrigatória para acessar linhas de crédito, políticas públicas de assistência técnica, seguro, incentivo à comercialização, dentre outros mecanismos. É fornecida gratuitamente e emitida por órgãos credenciados pelo MDA, e tem validade de seis anos. A Secretaria de Agricultura Familiar (SAF/MDA) informou, por meio de sua assessoria, que está ciente de todas as dificuldades envolvidas no processo de emissão de DAP, e que ele vem sendo aperfeiçoado ao longo de tempo. Esse procedimento teve início em meados de 2001 e, de acordo com o órgão, as alternativas para emissão evoluíram do formulário em papel para emissão via internet.
“A DAP é da família e não da pessoa. No desenho da base de dados foram considerados todos os aspectos teóricos e analíticos que envolvem a identificação e qualificação de pessoas e unidades familiares. Existem normativas, como as Resoluções do Conselho Monetário Nacional e a própria Lei da Agricultura Familiar – Lei 11.326 – que estabelecem os parâmetros a serem considerados na qualificação dos agricultores familiares. A SAF os considerou ao estruturar a base de dados de DAP. E as políticas públicas dirigidas aos agricultores familiares implicam quase sempre em subvenção econômicas e, portanto, passível de responsabilização dos gestores, por parte dos órgãos de controle”, informou.
Outra questão apontada por Schottz é que há também uma tradição longa no Brasil de compra centralizada através de licitação, o que acaba favorecendo as grandes empresas. Daí a importância da chamada pública, que possibilita a compra da agricultura familiar. Mas ainda há dificuldade de entender essa diferenciação, pois a lógica dos editais passa a ter uma seleção que não vai ao encontro do menor preço, como de costume. O modelo do PAA, com um preço de referência tabelado, faz com que os alimentos que chegarão às escolas sejam definidos pela questão da segurança alimentar e do desenvolvimento local, por exemplo, pautados pela agroecologia. Assim evita disparates como a compra do pescado, que é típico do Rio de Janeiro, importado da Argentina para a alimentação escolar carioca. E a licitação dá margem à monocultura, pois fortalece a lógica da produção em grande escala.
Experiências do PNAE
Paulo Lourenço tem 58 anos e é agricultor em Espera Feliz, na zona da mata de Minas Gerais. Trabalha com o PNAE há três anos, foi um dos primeiros camponeses a entregar através da Cooperativa da Agricultura Familiar Solidária de Espera Feliz (Coopfeliz). Ele planta banana, alface, couve, brócolis, mandioca e faz polpa de fruta, dentre outros alimentos. Leva tudo para a cooperativa, que exige alimentos agroecológicos para de sua sede distribuir às escolas. Consegue em torno de R$ 1.000,00 por mês com essa venda. Paulo diz que nunca teve problema com os cadastros ou qualquer papelada por conta da cooperativa, mas tem críticas e sugestões para o governo.
“Ajuda muito o agricultor, porque de outra maneira não vendia. O problema é que a gente só recebe 30 dias depois, porque até a Cooperativa não tem dinheiro para pagar. E tem vez que até passa um pouco mais. Levamos para a cooperativa, que repassa para as escolas, mas a entrega seria maior se tivesse um carro para buscar na roça. Muita gente tem dificuldade com isso. O governo poderia também ajudar mais com as sementes e o maquinário, além de ampliar os projetos para as hortas”, observou.
No Mato Grosso já ocorreram alguns entraves no acesso dos agricultores, pois saíram chamadas com produtos que não eram produzidos na região. De acordo com Fátima Aparecida, da ONG Fase, que assessora os grupos agroecológicos na região, por isso é importante um processo pedagógico junto aos agricultores e o diálogo com o governo. Ela explica aos camponeses o que é uma chamada pública, e faz contatos com as secretarias e a nutricionista para conhecer os cardápios da prefeitura e começar o diálogo das organizações com os gestores públicos.
“Para que eles entendam que às vezes é preciso mudar o cardápio, adequar para que os agricultores digam o que estão produzindo naquela época. Às vezes os agricultores não têm os produtos que eles querem. Ajudamos a elaborar o projeto, para participar no dia do encontro que define quem vai entregar e os preços. Tem muita dificuldade para transportar, mas com o PAA eles começaram uma parceria com a prefeitura. Outros até cotizaram para comprar um veículo para levar os produtos do PAA e PNAE”, relatou Aparecida.
O FNDE reconhece que a logística é uma das maiores dificuldades relatadas pelas entidades executoras e pelos agricultores familiares na compra e venda de alimentos para o PNAE, por isso estão trabalhando na elaboração de uma Ata de Registro de Preços Nacional para facilitar o processo de aquisição de veículos frigoríficos. “O procedimento visa garantir o melhor preço e agilidade no processo de compra. Além disso, o MDA tem trabalhado na instalação de Unidades de Apoio À Distribuição de Alimentos da Agricultura Familiar – equipamentos para auxiliar o desenvolvimento de atividades de distribuição dos produtos da agricultura familiar para o PNAE e para o PAA e também apoiar a comercialização direta dos mercados locais e regionais”, afirmou a assessoria do FNDE.
Os grupos assessorados por Aparecida no Mato Grosso são formais e comercializam acima de R$ 100 mil por ano, sendo que as documentações são as mesmas do PAA. Mas em municípios menores, onde grupos informais acessam, há problemas com a aquisição da DAP, principalmente com a DAP jurídica. No caso, o sindicato dos trabalhadores rurais acaba contribuindo como parceiro para o acesso a esses documentos. Em relação ao aumento do preço da compra para R$ 20 mil por ano, afirma que os agricultores ficam mais animados a participar só que tem município onde apenas 5 famílias já atingem os 30% obrigatórios.
“Você acaba excluindo o agricultor. Se você pegar o caso de Cuiabá e Várzea Grande, onde está o maior número de alunos, esses R$ 20 mil é pouco. Mas ainda é melhor, porque eles têm que pagar o transporte. Alguns agricultores entregam direto nas escolas, outros têm uma central de distribuição. As estradas em péssimas condições aumentam o custo dos alimentos. A grande reclamação das escolas é ir ao local pegar os alimentos, porque estão acostumadas com os supermercados que entregam pelo telefonema”, concluiu.
A ampliação do limite representa uma conquista importante para os agricultores familiares e se soma aos vários instrumentos voltados para a melhoria da comercialização dos produtos da agricultura familiar e o fortalecimento dos produtores, informou a SAF. “Com o aumento, o agricultor pode vender mais do que o dobro do que podia vender antes para o PNAE, o que lhe permite investir em melhorias. O PNAE é mais um mercado criado para fortalecer a agricultura familiar e que o agricultor pode vender também para o PAA, o que não o impede de aumentar a renda fornecendo ao mercado privado”, afirmou.
Muitas escolas ainda não têm infraestrutura adequada para o preparo de alimentos, e estudos mostram que algumas sequer possuem água. Segundo dados do censo escolar 2007, das quase 200 mil escolas públicas de educação básica existentes no Brasil, 1.789 não possuem qualquer tipo de abastecimento de água. No que se refere ao saneamento básico, quase 15 mil delas não possuem infra-estrutura adequada. São questões que não podem ser vistas como bloqueios para tornar o programa inoperante. Alguns analistas dizem que são necessárias parcerias entre prefeituras, governos estadual e federal para viabilizar melhores condições de transporte e logística de armazenamento desses alimentos. É muito importante para incorporar alimentos que vêm da agroecologia, sem agrotóxicos, num país que tem o triste recorde mundial de maior consumidor de venenos agrícolas.
Mesmo com todas as dificuldades, o PNAE mostra como os agricultores e agricultoras familiares brasileiros têm uma grande capacidade de responder aos estímulos de políticas públicas minimamente adaptadas às suas realidades. A evolução do programa certamente vai encher de orgulho milhares de famílias agricultoras que agora terão a oportunidade de fornecer comida boa para estudantes da rede pública, contribuindo para a promoção da segurança alimentar e nutricional por esse Brasil afora.
(*) Matéria reproduzida da Carta Maior.

Moção de Repúdio ao Projeto do Perímetro Irrigado da Chapada do Apodi - RN


Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e frágil, o futuro reserva, ao mesmo tempo, grande perigo e grande esperança. (Trecho da Carta da Terra).

Nós, participantes do VIII EnconASA, realizado na cidade de Janúaria-MG no período de 19 a 23 de novembro de 2012, viemos manifestar nosso repúdio ao Projeto de irrigação que o Governo Federal, através do DNOCS, deseja implantar na Chapada do Apodi, no Rio Grande do Norte. Amparado pelo Decreto Nº 0-001 de 10 de Junho de 2011, que torna de utilidade pública 13.855,13 hectares para fins de desapropriação, este projeto trará enormes prejuízos aos agricultores e agricultoras familiares ali residentes, pois terão de deixar suas casas e as terras, onde vivem há mais de um século, praticando agricultura baseada na agroecologia, para dar lugar a um grupo de empresas cujo modelo de produção baseia-se na monocultura e no uso intensivo de agrotóxico, que, como sabemos, contamina a água, a terra e o ar, com consequências graves diretas na saúde das pessoas e no meio ambiente.

Sabemos que, na região da Chapada do Apodi, concentram-se as principais experiências de agroecologia e produção de alimentos da Agricultura Familiar Camponesa do Estado do Rio Grande do Norte.  Com a implantação deste projeto, todas essas experiências e modos de vida camponesa irão desaparecer. Por isso, exigimos, do Governo Federal, a REVOGAÇÂO do referido Decreto e a imediata suspensão da instalação do Projeto. A reivindicação dos povos da Chapada é que os recursos, até agora assegurados pelo governo, sejam destinados ao projeto de integração entre a chapada e o vale do Apodi,  garantindo, assim, os direitos territoriais e o fortalecimento dos agricultures e agricultoras familiares campesinos(as), com suas práticas agroecológicas.
Januária-MG, 23 de novembro de 2012.